Em se tratando de doenças sexualmente transmissíveis (DST), duas coisas me assustam bastante nos últimos tempos. A primeira é o abandono da camisinha – sobretudo pelos jovens, que parecem encarar essa peça tão essencial e eficaz de proteção como algo “obsoleto”. A outra é o quanto esse mesmo público tem subestimado as DSTs. A impressão que eu tenho é a de que as pessoas acham que essas enfermidades equivalem a uma espécie de “resfriado” que passa com o tempo, sem maiores consequências.

Prova disso é o quanto elas andam se espalhando. Alguns posts atrás, falei aqui sobre o avanço da sífilis, cujos casos aumentaram de maneira estrondosa não só no Brasil, como em vários países do mundo. O HPV, infelizmente, também não fica para trás, e é sobre ele que vamos, ou melhor: precisamos conversar hoje.

As estatísticas não são nada animadoras. Um estudo epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2017 – o primeiro estimar a prevalência do vírus na população – detectou que mais da metade dos brasileiros entre 16 e 25 anos está infectada pelo Papiloma Vírus Humano. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão depois de entrevistar 7.586 pessoas – 5.812 mulheres e 1.774 homens. Desse total, 2.669 participantes foram submetidos ao teste de HPV. A prevalência do vírus apontada pelo teste foi de 54,6 % da população dessa faixa etária.

“Doença assintomática”? “Verruguinha que o médico cauteriza no consultório e pronto”? Vá devagar aí, amigo. Deste grupo, 38,4% apresentam tipos de HPV de alto risco para o desenvolvimento de câncer.

VOCÊ DISSE CÂNCER, DOUTOR?

Sim, eu disse. Sobretudo tumores do pênis, ânus, boca e garganta. Mais de 150 tipos diferentes de vírus já foram catalogados hoje. Quarenta deles podem infectar as áreas genitais humanas. Doze são oncogênicos, ou seja, provocam infecções persistentes e lesões precursoras do câncer. As variantes 16, 18, 31 e 45 são as de mais alto risco.

É verdade que as mulheres correm um risco maior nesse sentido. O HPV – principalmente os tipos 16 e 18 – está associado a mais de 90% dos casos de tumores do colo do útero (para quem não sabe, é justamente visando a detecção precoce dessa doença que elas realizam o famoso exame ginecológico papanicolau). O carcinoma peniano, por sua vez, está ligado ao vírus em cerca de 30% dos casos, o que faz com que o homem ainda seja considerado um portador assintomático.

Esse, no entanto, nem de longe é um motivo para você ficar despreocupado. Em primeiro lugar porque, com ou sem sintomas da infecção, uma vez contaminados, transmitimos o vírus. A mesma variante que, no corpo masculino, não chega a causar sequer uma verruga genital (principal sintoma do HPV no homem) pode infectar eventuais parceiras sexuais – e, nelas sim, desenvolver o tão temido câncer cervical.

Some-se a isso o fato que os casos de câncer de cabeça e pescoço (nome genérico de tumores que acometem língua, céu da boca, faringe, laringe e amígdalas) causados pelo HPV em ambos os gêneros vem crescendo. Antes mais comuns em homens com mais de 50 anos, fumantes e consumidores contumazes de bebidas alcoólicas, essas neoplasias vem se tornando cada vez mais prevalentes em pessoas na faixa dos 30 aos 45 anos sem histórico de alcoolismo ou tabagismo. Um levantamento realizado por especialistas do A. C Camargo Center, em São Paulo, chegou a traduzir parte dessa realidade em números. Se há 10 anos o HPV respondia por 25% dos casos de câncer de amígdala, um dos mais frequentes na região da garganta, hoje está associado a 80% desses tumores. A principal forma de contágio, nesse caso, é o sexo oral desprotegido.

O papiloma é ainda o principal fator de risco para o câncer de ânus, que acomete tanto homens, quanto mulheres adeptos da prática de sexo anal.

BASTA USAR CAMISINHA, QUE ESTÁ TUDO CERTO?

Usar camisinha é uma atitude muito importante na prevenção do contágio pelo HPV, mas não a única a ser adotada. Calcula-se que o preservativo consiga barrar entre 70 a 80% da transmissão do patógeno, que também se dá por contato direto com a pele ou mucosa infectada. A vacinação, portanto, é outra importante medida a ser tomada.

Atualmente, existem duas vacinas disponíveis no mercado:  Cervarix®, da companhia farmacêutica GlaxoSmithKline, que protege contra os tipos 16 e 18; e a Gardasil®, da empresa Merck & Co, que, além desses dois tipos, atua contra o 6 e o 11, causadores das verrugas genitais.

O ideal é receber a proteção a partir dos 9 anos, antes do início da vida sexual. A imunização é oferecida gratuitamente a meninos e meninas de 9 a 15 anos nas Unidades Básicas de Saúde de todo o Brasil. Aos portadores do vírus HIV, as doses são oferecidas até os 26 anos.

Leve isso muito a sério na sua família! Dados do Ministério  da saúde mostram que, de janeiro a 2 de junho deste ano, 594,8 mil adolescentes de 12 a 13 anos se vacinaram com a primeira dose da vacina de HPV, o que corresponde a apenas 16,5% dos 3,6 milhões de meninos nessa faixa etária que devem se imunizar.

Adultos também se beneficiam da vacina? Sim. Eficaz contra 9 tipos de vírus, ela é recomendada a homens até 26 anos e mulheres até os 45 idade. Nesse caso, porém, é necessário pagar pelas doses (nada baratas) em clínicas particulares. Vale lembrar que imunização não cura o HPV, mas previne o contágio pelas espécies virais que a pessoa ainda não “pegou”.

APARECERAM VERRUGAS NO MEU PÊNIS. E AGORA?

Ao detectar lesões verrucosas em seu pênis, sua primeira providência deve ser procurar um médico, que pode ser o clínico, o médico de família, ou o urologista.  O tratamento pode incluir queima da verruga com ácido ou nitrogênio líquido; aplicação de pomadas ou mesmo intervenções cirúrgicas.

Cabe ressaltar que a maioria das infecções por HPV (90%) se curam sozinhas em alguns meses, e “somem” em até dois anos – inclusive aqueles tipos de maior risco para câncer.

DE QUEM FOI QUE EU PEGUEI ISSO, DOUTOR? SÓ PODE SER …

Por favor, não perca tempo tentando completar essa frase, tampouco pressionando seu médico para que ele confirme se foi ou não o seu cônjuge/parceiro quem te transmitiu o vírus (Aliás, que saia justa, viu? Já passei por algumas situações assim no consultório).

Saiba que tanto você, quanto ele podem ter pegado HPV de relações anteriores – inclusive muito antigas, de décadas atrás. É perfeitamente possível que a doença tenha permanecido assintomática em um dos dois (ou em ambos) durante todo esse tempo e só agora veio a se manifestar.

O melhor que um casal tem a fazer diante de um diagnóstico de HPV, portanto, é focar no cuidado e no apoio mútuo.

Até o próximo post!