A obesidade é um problema de saúde pública global que afeta milhões de pessoas e está associada a diversas comorbidades, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono e doenças cardiovasculares. Para muitos pacientes com obesidade severa, a cirurgia bariátrica representa uma solução eficaz e, muitas vezes, salvadora. No entanto, como toda intervenção médica, ela pode trazer efeitos colaterais significativos. Um dos mais preocupantes — e menos discutidos — é o aumento da incidência de cálculos renais no período pós-operatório.
O que é a cirurgia bariátrica?
A cirurgia bariátrica é um conjunto de procedimentos que visam promover a perda de peso em pacientes com obesidade mórbida. As técnicas mais comuns incluem:
- Bypass gástrico (Roux-en-Y): Reduz o estômago e desvia parte do intestino delgado.
- Sleeve gástrico (gastrectomia vertical): Remove parte do estômago, diminuindo sua capacidade.
- Duodenal switch: Combina restrição gástrica com um desvio intestinal mais extenso.
Essas cirurgias funcionam reduzindo a capacidade de ingestão e/ou a absorção de nutrientes — e é justamente essa alteração na absorção que pode levar a complicações urinárias, como a formação de cálculos renais.
Por que a cirurgia bariátrica aumenta o risco de cálculos renais?
Estudos têm mostrado que pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, especialmente os que passam pelo bypass gástrico, apresentam maior risco de desenvolver nefrolitíase (pedras nos rins). As principais razões para isso são:
- Aumento da Oxalúria (excreção urinária de oxalato)
Após o bypass gástrico, ocorre uma maior absorção de oxalato no intestino, uma substância naturalmente presente em alimentos como espinafre, beterraba, nozes e chocolate. Isso acontece porque a gordura mal absorvida se liga ao cálcio no intestino, deixando o oxalato livre para ser absorvido. Esse oxalato é então eliminado pelos rins, onde pode se combinar com cálcio e formar pedras.
- Redução do volume urinário
Muitos pacientes bariátricos consomem menos líquidos no pós-operatório, seja por desconforto, saciedade precoce ou náuseas. Essa redução na ingestão hídrica leva a menor volume urinário, o que facilita a supersaturação de cristais e a formação de cálculos.
- Hipocitratúria (baixos níveis de citrato na urina)
O citrato é um inibidor natural da formação de cálculos. Após a cirurgia bariátrica, os níveis de citrato urinário tendem a cair, o que remove uma defesa importante contra a formação de pedras renais.
Quais tipos de cálculos são mais frequentes?
O tipo mais comum de cálculo em pacientes pós-bariátricos é o oxalato de cálcio, devido ao aumento da oxalúria. Outros tipos, como ácido úrico, também podem surgir, especialmente se o pH urinário estiver alterado.
Fatores de risco adicionais
Além das alterações fisiológicas já mencionadas, outros fatores contribuem para o risco aumentado:
- Consumo elevado de proteínas animais: aumenta a carga ácida da urina.
- Baixa ingestão de cálcio dietético: paradoxalmente, pode aumentar a absorção de oxalato.
- Uso de suplementos inadequados: suplementos de vitamina C, por exemplo, podem aumentar o oxalato urinário.
Prevenção e manejo
Felizmente, existem estratégias eficazes para reduzir o risco de nefrolitíase em pacientes pós-bariátricos:
- Hidratação adequada
Manter a ingestão hídrica entre 2,5 a 3 litros por dia é essencial para diluir a urina e prevenir a supersaturação de cristais.
- Suplementação de cálcio com as refeições
Tomar suplementos de cálcio junto às refeições ajuda a ligar o oxalato no intestino, evitando sua absorção.
- Dieta com baixo teor de oxalato
Evitar alimentos ricos em oxalato pode ser necessário, especialmente nos primeiros meses pós-cirurgia.
- Citrato de potássio
Para pacientes com hipocitratúria, o uso de citrato de potássio pode ser indicado para aumentar os níveis urinários de citrato.
- Monitoramento clínico regular
Pacientes devem fazer acompanhamento nefrológico e urológico, com exames de urina e imagem periódicos.
Importância do acompanhamento multidisciplinar
A prevenção de complicações renais pós-cirurgia bariátrica exige uma abordagem multidisciplinar, que inclua:
- Nutricionistas, para orientar sobre dieta e suplementação.
- Nefrologistas, para acompanhar a função renal.
- Cirurgiões bariátricos, para ajustar condutas clínicas conforme a evolução do paciente.
Com medidas preventivas simples e acompanhamento adequado, é possível minimizar esse risco e garantir uma jornada mais segura e saudável rumo ao emagrecimento e bem-estar.