A tecnologia a serviço da biomedicina está criando uma nova vertente de mercado: a bioimpressão. Ou, traduzindo, o uso de impressora 3D para produzir material biológico.

E por que isso é importante? Atualmente, existem centenas de milhares de pessoas esperando para receber um transplante de órgãos. Os números são tão dramáticos que essa questão pode (e deve!) ser encarada como um grave problema de saúde mundial, já que existe uma escassez global de órgãos disponíveis.

Enquanto a lista de espera aumenta a cada dia, o número de doadores permanece praticamente o mesmo. Algumas pessoas aguardam anos na fila. Outras, infelizmente, não sobrevivem à espera. Só no Brasil, são mais de 42 mil pacientes lutando pela vida aguardando por um órgão. Mas com esses avanços tecnológicos, quem sabe uma realidade positiva não esteja tão distante?

Eu explico. O bioprinting, ou bioimpressão tridimencional, consiste em técnicas de impressão 3D para combinar células, fatores de crescimento e biomateriais. Essa tecnologia permite que materiais — como peças biomédicas — sejam desenvolvidos e reproduzam ao máximo as características reais do tecido natural.

É uma possibilidade de criar réplicas funcionais de estruturas presentes no organismo, o que pode beneficiar muitas pessoas. Os pacientes sujeitos à transplante de órgãos podem, futuramente, receber órgãos substitutivos compostos por suas próprias células, sem maiores complicações. 

A impressão em 3D começou a ser usada na área da saúde ainda na década de 80, para a produção de próteses de reconstrução óssea. Hoje, é possível a fabricação de tecidos da pele e cartilagens. Alguns órgãos também começaram a ser impressos mas, por enquanto, apenas como protótipos para auxiliar nas cirurgias.

Eles ainda não podem substituir os verdadeiros, mas já funcionam como modelos para que os médicos planejem melhor as operações. Com esses órgãos de plástico em mãos, chamados biomodelos, o cirurgião pode ensaiar o procedimento cirúrgico, diminuindo o tempo real da cirurgia e os riscos de complicações.

Alguns outros exemplos do que já está sendo feito por aí:

– Em 2016, um estudo publicado na revista Nature revelou que pesquisadores norte-americanos conseguiram implantar tecidos impressos em 3D em animais. Os cientistas imprimiram estruturas cartilaginosas, ósseas e musculares e as transplantaram nos roedores. Essas células desenvolveram um sistema de vasos sanguíneos e se transformaram em tecidos.

O dispositivo usado para criar esses tecidos é chamado de Sistema Integrado de Impressão de Tecido e Órgão. Ele usa tanto materiais plásticos quanto biodegradáveis para projetar a forma do órgão desejado.

– Enquanto isso, a empresa Organovo já oferece tecido renal e hepático para rastrear potenciais medicamentos. Além de reduzir o número de testes em animais, pode aumentar a eficácia e confiabilidade dos resultados, uma vez que o tecido é humano.

A companhia anunciou ainda que havia transplantado tecidos de fígado impressos a partir de células humanas em camundongos. Segundo a Organovo, os tecidos poderão servir para o tratamento de insuficiência hepática crônica dentro de três a cinco anos.

– Outros especialistas estão implantando músculos, orelhas e ossos em animais. No ano passado, cientistas da Northwestern University, em Chicago, imprimiram ovários protéticos e os implantaram em camundongos. Os receptores foram capazes de conceber e dar à luz com a ajuda desses órgãos artificiais.

– A L’Oréal, uma empresa francesa de cosméticos, já investe na bioimpressão para a realização de testes de seus produtos. Segundo o site da Bloomberg, a companhia desenvolve cinco metros quadrados de pele por ano.

Todas essas aplicações e estudos estão sendo realizados porque a ideia é que, no futuro, as impressoras 3D façam mais do que órgãos de plástico, mas partes reais do corpo humano. E, como eu disse no início do texto, na prática isso significaria que um paciente não precisaria entrar na fila à espera de um rim a ser transplantado, por exemplo. Bastaria imprimir um novo para ele, com suas próprias células (e, consequentemente, com um menor risco menor de rejeição).

Os desafios

Os órgãos bio-impressos ainda não são uma realidade, mas esse avanço é essencial para que aperfeiçoamentos nessa tecnologia sejam feitos. Tudo indica que a técnica é promissora, mas é claro que pesquisas mais detalhadas ainda são necessárias para que a tecnologia seja usada em humanos. Também falta estudar como imprimir órgãos mais complexos, como um coração, e avaliar os riscos de rejeição.

Além de questões técnicas, a aprovação desse tipo de tecnologia em humanos deve esbarrar em questões éticas a serem avaliadas pelas agências regulatórias de cada país. 

Fato é que a versatilidade da aplicação da impressão em 3D é enorme. Ter a possibilidade de, num futuro tão próximo, criar órgãos a partir do zero para salvar vidas parece um sonho que pode estar prestes a se tornar realidade.